sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

A TEORIA DAS NULIDADES PROCESSUAIS

O sistema de invalidades processuais foi estruturado em atenção a sua natureza instrumental, de sorte que ao aplicador fosse possível sanar as irregularidades do ato ou do procedimento em benefício da atividade jurisdicional. Atento a esta peculiaridade, argui-se, com amparo nas irretocáveis lições de Calmon de Passos[1] que a invalidação de qualquer ato ou procedimento, não se opera apenas por si, sendo necessária a decretação judicial para que cessem os efeitos do ato inválido.
O sistema processual de invalidação reconhece atualmente três modalidades de sanção para o ato que tenha sido praticado supostamente em desacordo com as exigências da lei. São elas: a nulidade absoluta, que se aplica pela conjugação de dois fatores, qual sejam: a desconformidade do ato para com uma norma cogente e a previsão legal para que sobre ele incida a pena de nulidade absoluta. Este tratamento mais severo se justifica pela preocupação jurídica que normas previstas em prol do interesse público sejam observadas com maior atenção, o que autoriza ao magistrado a reconhecê-la de ofício. Exemplo de perfeita harmonia com essa espécie de invalidade se identifica em processo cujo ato de citação, essencial ao contraditório e ao caráter democrático do instrumento jurisdicional, não tenha sido observado pelo órgão judicial. A nulidade relativa se traduz pela prática de ato ou procedimento que afronte norma cogente definida em atenção aos interesses privados, o que afasta do legislador a motivação para imputar-lhe uma pena mais severa, e remete aos particulares a iniciativa para provocar o poder judiciário a emitir um pronunciamento e decretar a sua nulidade. Já a anulabilidade, pode ser identificada como a sanção conferida a normas meramente dispositivas e direcionadas eminentemente aos interesses das partes, o que não permite a manifestação judicial sem a necessária e anterior provocação das partes.
Como se observa, a teoria das invalidades processuais não se enquadra nos parâmetros da teoria material, vez que ao considerar a natureza instrumental do processo, permite que mesmo a norma cogente, como as estabelecidas pelo CPC, possa admitir alguma violação sem que isso implique invalidação e comprometimento do ato processual. Assim, por exemplo, mesmo havendo determinação das espécies e dos procedimentos para a prática do ato citatório, nada impede que por outra via que não aquela estabelecida pelo legislador, o ato convalesça e possa produzir o efeito esperado. Esta, alias, seria a situação decorrente do comparecimento espontâneo do réu, que mesmo sem ter sido notificado por qualquer meio legal, toma conhecimento da relação processual por vias outras, como o aviso informal de quem por ventura trabalhe no cartório ou auxilie o juízo onde se tem instaurado o processo, pois ao saber disto e comparecer espontaneamente para estar ciente, o ato citatório, mesmo que praticado por via alternativa, terá alcançado a sua finalidade, será válido e poderá gozar dos efeitos legais. Sobre o tema, dispõe o artigo 151 do NCPC: “Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.
Esta flexibilização, característica da teoria aplicada aos atos processuais, ampara as suas aplicações nos princípios da causalidade e instrumentalidade das formas, que por apego à didática, serão sumariamente comentados a seguir.
A causalidade permite ao aplicador do direito aproveitar tudo aquilo que não apresente vínculo com o ato viciado, de sorte que: se a primeira metade do procedimento transcorrer em harmonia com as exigências da lei, sendo o vício constatado apenas no início da segunda metade, somente os atos posteriores e dependentes serão prejudicados.
 A instrumentalidade das formas revela a necessária percepção de que o apego às exigências procedimentais não pode superar sua finalidade, pois esta postura poderia comprometer exatamente o direito que por meio do procedimento se quer proteger. Por isso, quando o procedimento ou o ato a ser realizado se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.
Esta disposição pelo aproveitamento do ato processual também se aplica aos casos em que o juiz puder decidir em favor da parte supostamente beneficiada pela invalidação, que não poderá ser requerida por quem lhe deu causa. A esta altura, pode-se afirmar que a teoria das nulidades sofre a influência direta dos princípios da instrumentalidade, boa-fé, causalidade e finalidade, justificando-se com isso a ideia de que não há nulidade sem prejuízo, nem invalidação que se opere de ofício.
No sentido do texto, Sidinei Amendoeira Junior, citando Calmon de Passos, afirma que:

“Verificada a inadequação do ato ao modelo legalmente previsto, o ato ainda não é, por si só, nulo; deve, pelo visto, ser decretada a nulidade. Se a imperfeição do ato for relevante, o juiz decretará sua nulidade; até então o ato é apenas imperfeito. A partir daí, em sendo nulo e inválido, o ato, de duas uma: ou o juiz manda que o ato seja novamente praticado, sanando-se os defeitos de sua repercussão, ou chega à conclusão de que isto não é possível, e neste último caso, temos a insanabilidade[2].

De fato, este apego exacerbado ao procedimentalismo, que a época se justificou pela necessidade científica de afirmar a independência da seara processual, poderia colocar juízes como meros controladores das exigências de forma, em detrimento dos valores sociais que sob a legislação vigente, não estavam contemplados pelo projeto constitucional ou pela redação do “atual” código de processo civil, vez que, nesta quadra da história, articulam-se coerentemente: uma Carta constitucional ditatorial, uma ideologia liberal-individualista e a correlata ausência de faticidade nos textos jurídicos. Nesta época, aplicar com literalidade um procedimento ideologicamente construído por um positivismo normativo, comprometeria o anseio de uma sociedade que para muito além de interpretações literais, de há muito reclama por respeito e dignidade.
A finalidade primordial da atividade jurisdicional de restabelecer o equilíbrio da ordem jurídica e eliminar a crise de direito material, portanto, não se poderia alcançar somente pela aplicação direta do texto.
Sobre o tema, Bedaque vai dizer que:

“A existência do processo é justificada pelos escopos que ele visa a alcançar, não pela forma de que se revestem seus atos. A observância da técnica, portanto, representa exigência inafastável do sistema apenas se imprescindível à consecução dos objetivos buscados. A legitimidade do processo reside na eliminação da crise de direito material com segurança e celeridade, não na forma adotada para que tal efeito se produza” [3].

A instrumentalidade das formas, que há seu tempo contribuiu como importante veículo de adequação entre texto e anseio social, hoje deve ser compreendida pela ótica de um novo momento constitucional, pois ao quanto aqui já se pôde afirmar, sentidos não são delimitados sem a influência do contexto histórico.
Sob esta perspectiva, é imperioso considerar que a reintrodução da faticidade, a adoção do referencial de isonomia material e a construção de um projeto constitucional firmado em regras e princípios, representam um novo horizonte para a atividade hermenêutica, com evidentes reflexos na percepção da instrumentalidade processual. Vejamos, pois, suas nuances mais evidentes.
De imediato, há que se considerar que regras e princípios não são articulados isoladamente, vez que as regras constitucionais e também as regras de procedimento, hoje são concebidas à luz de um princípio ou de um valor, consagrado democraticamente no projeto social de 1988. Não se pode mais imaginar que regras processuais sejam previstas sem a influência dos valores sociais ou mesmo afirmar, em nosso tempo, que o procedimento se estabeleça em descompromisso dos direitos que pretende assegurar. Não se vive mais o momento liberal-individualista, ao revés, Direito e Moral, neste nosso Estado Democrático Constitucional são agora co-originários. Se isto é verdade, há que se entender que por traz de cada regra ou procedimento atua a referência histórica constitucional e em função disto, pode-se afirmar que os valores desta atual sociedade, muitas vezes consagrados por princípios, atuam diretamente na redação de cada texto, bem como não concepção de sua interpretação. É dizer: há sempre um princípio em cada regra, pois esta se concebe, interpreta e aplica por influência daquele.
Outra constatação: não há necessária hierarquia entre princípios e regras, vez que o critério adotado como elemento de percepção é semântico, de sorte que princípios apresentam maior vagueza e em função disso permitem um exercício hermenêutico mais amplo do que regras, pois estas, em função da maior densidade semântica se prestam a regular diretamente o caso concreto. Em consequência disto, havendo conflito aparente entre regra e princípio de mesma ordem, defendemos, prevalece a regra, que já de início estabelece com maior especificidade a resposta adequada para o caso, sem os riscos de exercícios arbitrários na construção da norma, que aqui se apresenta como o resultado da interpretação.
Assim, violar a regra é violar reflexamente um princípio, e deixar de aplicar o procedimento aprovado pela representação legítima do poder legislativo, a um só tempo compromete o valor da democracia, causa insegurança jurídica e retoma discursos de instrumentalidade sem a correta percepção da atualidade.
Portanto,

“não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. Obedecer “à risca o texto da lei” democraticamente construído (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga (positivismo primitivo). No primeiro caso, a moral ficava de fora; agora, no Estado Democrático de Direito, ela é co-originária. Portanto – e aqui me permito invocar a “literalidade” do art. 212 do CPP –, estamos falando, hoje, de uma outra legalidade, uma legalidade constituída a partir dos princípios que são o marco da história institucional do direito; uma legalidade, enfim, que se forma no horizonte daquilo que foi, prospectivamente, estabelecido pelo texto constitucional (não esqueçamos que o direito deve ser visto a partir da revolução copernicana que o atravessou depois do segundo pós-guerra).”

A falta de atualização hermenêutica, neste ponto, compromete seriamente as conquistas do Estado Democrático, pois autoriza, em nome de um ideal de instrumentalidade já dissonante de nossa realidade, que regras sejam afastadas arbitrariamente em nome de princípios processuais. Esta postura, pretensamente calcada em teorias de ponderação ou sopesamento, ainda hoje fundamenta decisionismos de toda ordem, com flagrante desrespeito de legitimidade, pois convicções pessoais, ao que entendemos não se podem colocar acima do texto sem prejuízo da democracia. Observe-se, por exemplo, a interpretação de regras procedimentais destinadas à produção da prova que envolve a concessão de benefícios ao segurado do INSS.
A questão exige, para a concessão de auxílio-doença e a sua conversão em aposentadoria por invalidez, em caso de constatação de existência de incapacidade definitiva, a produção de laudo socioeconômico devidamente previsto no artigo 20,§3° da LOAS. Este critério objetivo, atualmente é conjugado com um critério social, de sorte que a atual legislação submete a concessão do benefício a uma dupla avaliação, de caráter médico-social. Isto, em acordo com a lei n° 11.435 de 2011. Sem prejuízo das regras e dos critérios objetivos estabelecidos democraticamente no procedimento, o entendimento majoritário[4] traduz, com respaldo no livre convencimento motivado, que a exigência para a concessão se comprova por qualquer meio de prova, ainda que para tanto não se produza o laudo. Pior que isto: há decisões de toda ordem, que em nome da instrumentalidade e do sopesamento de princípios constitucionais e processuais, afastam determinações específicas e a essencial garantia do contraditório para entregar normas pautadas na consciência do indivíduo. Veja-se, para tanto, sentenças dessa ordem:

“Relativamente ao pleito, formulado na contestação, de vista dos autos após apresentação do laudo pericial, registro que não há prévia intimação das partes para manifestação acerca do laudo pericial em obséquio a uma prestação jurisdicional mais célere, de forma a efetivar os princípios da celeridade, informalidade, simplicidade e, principalmente, economia processual no caso concreto.”.

Sob a ótica de uma nova proposta processual, devemos revisitar antigos conceitos, de sorte a lhes atribuir uma leitura adequada ao ideal referendado pelo Estado Democrático e sua promessa de dignidade.





[1] PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais, Rio de Janeiro. Forense. 2002.
[2] JR. Sidnei Amendoeira, Direito Processual Civil, São Paulo, Atlas, 2007, p.174.

[3] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 2ª edição.  Ed Malheiros. p 61.
[4] Esse é o entendimento da Turma Nacional de Uniformização, qual seja: a comprovação pode ser feita por qualquer meio idôneo, desde que submetido ao contraditório. 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

XII Congresso Brasileiro de Direito Processual - PE

Amigos, temos encontro marcado entre 08 e 10 de Maio em PE. Vamos em frente. 
Grande abraço.


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Aos amigos, alunos, professores e colaboradores, dedico meu sincero agradecimento. 
Em vocês, tenho a certeza de que o amanhã nos reserva um Direito mais humano e 
comprometido com a dignidade. Fizemos história neste últimos três dias!!!

Espero revê-los em breve, na V edição de nosso Congresso Brasieliro de Direito Processual (Ssa).
Vamos em frente!! Um grande abraço.